ENTREVISTA COM O MAESTRO ISAAC KARABTCHEVSKY
Por que Gurre-Lieder no concerto que é parte das comemorações de seus 80 anos?
Baseada em texto do poeta dinamarquês Jens Peter Jacobsen, Gurre-Lieder é uma obra ímpar, que faz antever o notável salto da tonalidade à sua dissolução, algo que pode ser lido como metáfora da transição de duas épocas distintas. O mundo anterior à Primeira Grande Guerra dá lugar à perplexidade que permeia o início do século xx, uma ruptura com o passado e um mergulho insondável em novas tendências.
Nenhuma manifestação artística ficou imune à força vital que emanava das primeiras décadas daquele século. Obras como a Sagração da Primavera, de Stravinsky, cuja estreia foi em 1913 (como a de Gurre-Lieder — uma em Paris, outra em Viena), sinalizam os novos tempos: são peças premonitórias de uma incrível revolução. Sinto-me honrado por ter sido presenteado pela Osesp com a oportunidade de reger uma peça dessa magnitude. Vale ainda notar que a peça nunca foi apresentada no Brasil.
Quais são os desafios para interpretar Gurre-Lieder, do ponto de vista do regente e da regência?
Estamos realizando a versão original, com uma orquestra gigante, cinco cantores, um narrador e um coro de quase 150 vozes. Aí reside a maior dificuldade: é como se estivéssemos colocando no palco o mesmo efetivo da Sinfonia nº 8, de Gustav Mahler, a chamada Sinfonia Dos Mil. A essa massa, contrapõem-se trechos essencialmente camerísticos — o grande desafio é unificar o discurso musical, sem encobrir as partes expressivas ditas e cantadas em pianíssimo.
Nessa peça, as influências de Wagner e Mahler são muito claras. Pode falar um pouco sobre a relação de Schoenberg com esses compositores?
É notória a admiração mútua de Mahler e Schoenberg, ambos amparados pela magia sedutora do gênio onipresente de Richard Wagner. Revelam-se, mais do que tudo, os mergulhos profundos em planos psicológicos, como se deles emanasse a fonte primordial da música. Não nos esqueçamos de que Freud era contemporâneo dos dois compositores: Mahler foi um de seus pacientes, ainda que de forma casual.
Pode falar um pouco sobre esse Schoenberg “romântico”? Diria que ouvindo Gurre-Lieder seria possível adivinhar o atonalismo e o dodecafonismo que viriam?
É preciso voltar um pouco no tempo para entender o sentido do Romantismo em Gurre-Lieder. Penso em obras como O Crepúsculo Dos Deuses e Parsifal, de Wagner. Ou, voltando ainda mais, na Paixão Segundo São Mateus, de Bach, que dispunha de uma orquestra dupla, coro ampliado, quatro vozes principais e dez vozes secundárias. Nesse sentido, o Romantismo está no gigantismo sinfônico-vocal, nos imensos painéis que emolduram a narrativa, seja dos cantores como dos solistas e do próprio narrador. Por vezes, temos a impressão de estar ouvindo uma ópera de Wagner, tamanha a proximidade. No decorrer da obra, revela-se o jovem Schoenberg, dono absoluto das ferramentas que norteavam a instrumentação e a ousadia dos encadeamentos harmônicos. Em outros trechos, era clara a evolução dessa linguagem em direção à atonalidade e ao serialismo.
Em que medida o texto em que se baseia a peça contribui para sua interpretação ou a fruição?
Como disse, a obra é composta por painéis. Cada um deles revela um estado anímico específico, descrições e impressões, amalgamados num todo uniforme. Mas não é preciso conhecer o texto para apreciar a obra. Quando há tanta qualidade musical, como é o caso, todos podem intuir o talento e o poder criativo. Vamos ouvir Schoenberg com ouvidos e coração!
ENTREVISTA A RICARDO TEPERMAN
PROGRAMA
OSESP
ISAAC KARABTCHEVSKY REGENTE
ROBERT DEAN SMITH TENOR
JENNIFER ROWLEY SOPRANO
CHRISTINE RICE MEZZO-SOPRANO
LESTER LYNCH BARÍTONO
ANTHONY DEAN GRIFFEY TENOR
ANDREAS SCHMIDT NARRAÇÃO
MÚSICOS DO INSTITUTO BACCARELLI
CORO DE CÂMARA FRANZ LISZT DE WEIMAR
CORO DA OSESP
CORO ACADÊMICO DA OSESP
ARNOLD SCHOENBERG [1874-1951]
Gurre-Lieder [CANÇÕES DE GURRE] [1900-11]
- Parte 1
- Parte 2
_____________________________________
- Parte 3
130 MIN